A cada passo da medicina nas pesquisas com células-tronco embrionárias há um novo entrave. Ciência e religião debatem em campos opostos. A mais recente descoberta, publicada em agosto na versão on-line da Revista Nature, em princípio contorna o maior obstáculo ético para a pesquisa: a perda do embrião.
Trata-se de um método capaz de obter células-tronco embrionárias sem prejudicar o embrião a partir do qual foram geradas. Entretanto, grupos contrários às pesquisas manifestaram-se com o argumento de que a técnica poderia, talvez, prejudicar o desenvolvimento do embrião.
Os pesquisadores responsáveis pela descoberta são dos Estados Unidos, um dos países que coloca restrições aos estudos com células-tronco embrionárias. As verbas federais para esse fim foram vetadas em julho. A alegação do presidente George W. Bush ao utilizar seu poder de veto – o primeiro de seus dois mandatos como chefe da nação – é que esse tipo de pesquisa ultrapassa uma fronteira moral.
A postura americana reacendeu as discussões entre cientistas e religiosos em torno do tema. Até o desenvolvimento do novo método recém-divulgado, a corrente religiosa defendia o ponto de vista de que, ao utilizar uma célula embrionária para pesquisa, estava se descartando uma vida e isso equivaleria a um aborto. A ciência, por outro lado, afirmava que não se perdia uma vida porque as células-tronco utilizadas são sempre de embriões fertilizados in vitro e não implantados no útero. O destino desses embriões é permanecer congelado por um tempo, até serem descartados por não-utilização.
Os embriões utilizados nessas pesquisas são congelados, em geral, cinco dias após a fertilização – antes, portanto, da existência de qualquer atividade neurológica
O início da vida ainda não é um conceito unânime, ao contrário de seu final – definido pela parada da atividade cerebral. Se esse mesmo critério fosse adotado para estabelecer o começo deveria se considerar o aparecimento das terminações nervosas no embrião, o que acontece a partir do 14º dia depois da fertilização. Os embriões utilizados nessas pesquisas são congelados, em geral, cinco dias após a fertilização – antes, portanto, da existência de qualquer atividade neurológica.
Pesquisa criteriosa
Diversos estudos comprovam que as células-tronco embrionárias são capazes de se dividir e transformar-se em células de todos os tecidos que compõem o corpo humano. “O interesse dos pesquisadores é descobrir como se dá essa diferenciação”, explica Carlos Alberto Moreira-Filho, geneticista.
Só mais estudos permitirão conhecer esse mecanismo e, a partir daí, estabelecer protocolos para o uso das células, com biossegurança. “Até o momento, alguns experimentos feitos com animais mostraram risco de desenvolvimento de tumores”, ressalta o geneticista. “Mas se a pesquisa é impedida, não há como descobrir problemas e tentar contorná-los”, afirma.
Panorama Mundial
Há muitos cientistas de diversos países que se dedicam às pesquisas com células-tronco embrionárias. Os maiores centros de estudos estão no Reino Unido, Israel, Coréia, Japão e, até o veto do presidente Bush, nos Estados Unidos, que agora temem ficar para trás, a não ser que mais verba seja levantada junto ao setor privado.
O Brasil poderia ser considerado um centro intermediário, com pesquisas em diversas áreas da genética, como a criação dos bancos de cordão umbilical, cujo sangue é rico em células-tronco. No Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein está em desenvolvimento um programa de pesquisas que busca entender como ocorre a diferenciação na célula-tronco para dar origem a tecido muscular, nervoso, ósseo ou de outra natureza. A resposta a essa dúvida é fundamental para qualquer terapia celular. “Os avanços nessa área de estudo são lentos e o melhor caminho é pesquisar mais e mais”, explica o geneticista.
O estudo das células-tronco embrionárias tende a se intensificar, mas ainda não há uma previsão de quando possam gerar resultados e ter aplicação prática. “No Brasil, começamos as pesquisas há apenas quatro anos e os resultados ainda são incipientes”, conta a geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e pró-reitora de Pesquisa da USP. Os principais campos de concentração do estudo são direcionados às áreas da oncologia, ortopedia, cardiologia e neurologia.
A mais recente conquista dos pesquisadores do grupo da USP veio das células-tronco adultas para a ortopedia. Em agosto, os cientistas conseguiram desenvolver músculos esqueléticos (dos braços, pernas e nádegas) a partir das células-tronco adiposas. Esse avanço vai beneficiar os pacientes com distrofia muscular. Em julho, um resultado semelhante havia sido obtido nos Estados Unidos: também a partir das células-tronco adiposas foi desenvolvido o músculo liso, responsável pelo funcionamento de vários órgãos, como a pele, os intestinos e as paredes das artérias.
Fonte: Hospital Israelita Albert Einstein.